segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

dieta cega

ser humano é ser hipócrita:
deixa de comer a vaca
com pena da vida que o bife viveu
mas tem os dentes grudados na carne geral da nação
chupa sangue
engole fetos
vagina assada, cérebro frito, caldo de cu
massa omissa
sem ver
sem vergonha
só vemos o que queremos

Otherneither

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Stella : Psicopata, Esquizofrênica e Paranóica

Nunca tinha ouvido falar de Stella do Patrocínio até o dia em que noticiaram sua morte num jornal. Uma foto, um breve histórico e algumas de suas falas. Poesia. No rosto daquela mulher negra, um olhar de quem vê o mundo cruamente, a realidade que ninguém quer ver porque senão enlouquece. E ela foi considerada louca, foi abandonada num hospício por ter esse olhar e por dizer o que via.


Se eu pegar a família toda de cabeça pra baixo
E perna pra cima
Meter tudo dentro da lata do lixo e fazer um aborto
Será que acontece alguma coisa comigo?
Vão me fazer alguma coisa?

Se eu pegar durante a noite novamente a família
toda de cabeça pra baixo
E perna pra cima
Jogar lá de dentro pra fora
Será que ainda vai continuar acontecendo
alguma coisa comigo?



Eu já falei em excesso em acesso muito e demais
Declarei expliquei esclareci tudo
Falei tudo que tinha que falar
Não tenho mais assunto mais conversa fiada
Já falei tudo
Não tenho mais voz pra cantar também
Porque eu já cantei tudo que tinha que cantar
Eu cresci engordei tô forte
Tô mais forte que um casal
Que a família que o exército que o mundo que a casa
Sou mais velha do que todos da família


Não trabalho com a inteligência
Nem com o pensamento
Mas também não uso a ignorância


Eu estava com saúde
Adoeci
Eu não ia adoecer sozinha
não
Mas eu estava com saúde
Me adoeceram
Me internaram no
hospital
E me deixaram internada
E agora eu vivo no
hospital como doente

O hospital parece uma
casa
O hospital é um hospital


No céu
Me disseram que Deus mora no céu
No céu na terra em toda parte
Mas não sei se ele está em
mim
Ou se ele não está


Eu não queria me formar
Não queria nascer
Não queria tomar forma
humana
Carne humana e matéria
humana
Não queria saber de viver
Não queria saber da vida

Eu não tive querer
nem vontade pra essas coisas
E até hoje eu não tenho querer
nem vontade pra essas coisas


Eu já fui operada várias
vezes
Fiz várias operações
Sou toda operada
Operei o cérebro,
principalmente


Eu pensei que ia acusar
Se eu tenho alguma coisa
no cérebro
Não, acusou que eu
tenho cérebro
Um aparelho que pensa
bem pensado
Que pensa positivo
E que é ligado a outro
que não pensa
Que não é capaz de pensar
nada e nem trabalhar


Eles arrancaram o que
está pensando
E o que está sem pensar
E foram examinar esse
aparelho de pensar e não
pensar
Ligados um ao outro na
minha cabeça, no meu
cérebro


É dito: pelo chão você não pode ficar
Porque lugar da cabeça é na cabeça
Lugar de corpo é no corpo
Pelas paredes você também não pode
Pelas camas também você não vai poder ficar
Pelo espaço vazio você também não vai poder ficar
Porque lugar da cabeça é na cabeça
Lugar de corpo é no corpo


Olha quantos estão comigo
Estão sozinhos
Estão fingindo que estão sozinhos
Para poder estar comigo


Não sou eu que gosto de nascer
Eles é que me botam para nascer todo dia
E sempre que eu morro me ressuscitam
Me encarnam me desencarnam me reencarnam
Me formam em menos de um segundo
eu sumir desaparecer eles me procuram onde eu estiver
Pra estar olhando pro gás pras paredes pro teto
Ou pra cabeça deles e pro corpo deles


Eu sobrevivi do nada, do nada
Eu não existia
Não tinha uma existência
Não tinha uma matéria
Comecei existir com quinhentos milhões e quinhentos mil anos
Logo de uma vez, já velha
Eu não nasci criança, nasci já velha
Depois é que eu virei criança
E agora continuei velha
Me transformei novamente numa velha
Voltei ao que eu era, uma velha


Eu era gases puro, ar, espaço vazio, tempo
Eu era ar, espaço vazio, tempo
E gases puro, assim, ó, espaço vazio, ó
Eu não tinha formação
Não tinha formatura
Não tinha onde fazer cabeça
Fazer braço, fazer corpo
Fazer orelha, fazer nariz
Fazer céu da boca, fazer falatório
Fazer músculo, fazer dente


Eu não tinha onde fazer nada dessas coisa
Fazer cabeça, pensar em alguma coisa
Ser útil, inteligente, ser raciocínio
Não tinha onde tirar nada disso
Eu era espaço vazio puro


Não deu tempo
Eu estava tomando claridade e luz
Quando a luz apagou
A claridade apagou
Tudo ficou nas trevas
Na madrugada mundial
Sem luz


Stela por Stela

Mas você gosta dessa vida?
Gosto, gosto de ficar pastando à vontade
Ficar só pastando

E você não tem vontade de fazer outra coisa?
Não, eu não tenho vontade de fazer outra coisa
A não ser ficar pastando
Pastar pastar pastar ficar pastando à vontade
O bom pastor dá a vida pelas suas ovelhas
A lei é dura mas é lei
Dura lex sed lex no cabelo só gumex

terça-feira, 19 de janeiro de 2010


No habrá nunca una puerta. Estás adentro
y el alcázar abarca el universo
y no tiene ni anverso ni reverso
ni externo muro ni secreto centro
No esperes que el rigor de tu camino
que tercamente se bifurca en otro,
que tercamente se bifurca en otro,
tendrá fin. Es de hierro tu destino
como tu juez. No aguardes la embestida
del toro que es un hombre y cuya extraña
forma plural da horror a la maraña
de interminable piedra entretejida.
No existe. Nada esperes. Ni siquiera
en el negro crepúsculo la fiera.

Jorge Luis Borges
Elogio da Sombra, 1969

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

" A humanidade é uma grande esperança perdida. Cada homem está trancado dentro de si mesmo e sua alma é semelhante a um poço onde só o sofrimento vive e se agita. Solidão, loucura e marginalidade são os destinos das criaturas que se corrompem no dinheiro e no desejo - carcereiros da alma. Não há liberdade fora da morte. A vida é violência e ritual antropofágico. Os únicos companheiros do indivíduo são o medo e a solidão. E, para eles, não há remédio: conseqüentemente não há cura."
(Tenessee Williams)

domingo, 17 de janeiro de 2010